terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Uma Estrada, a Capoeira... (The Long and winding road)



Nos finais de séculos, diz-se que existem muitos movimentos de grande impacto na humanidade ou mesmo no planeta.
No ano de 1993 eu lancei o meu primeiro livro, “Capoeira, o Caminho do Berimbau” que chegou a 2º. Edição e não foi mais longe por absoluta preguiça da minha parte, principalmente no que se refere a distribuição do livro, pois no Brasil (talvez no mundo ocidental inteiro!) a produção de livros de natureza cultural independentes não desperta nenhum interesse na indústria editorial e, muito menos, nos canais de distribuição de livros impressos.
Aquele livro eu trouxe uma inquietação que já me despertava para o que eu percebia sobre as artes-marciais orientais, onde todas elas eram compreendidas como um “Caminho”.
O que percebi, na verdade, foi que a palavra DO, associada aos nomes das artes-marciais significa sempre caminho, enquanto uma definição de direções por onde andar para conhecer os fundamentos, as técnicas, a sabedoria, enfim, os conhecimentos e segredos da linha de sabedoria que se encontra por traz de cada arte-marcial.
E a capoeira deveria ter o seu próprio DO. Sempre acreditei. Sempre intui sobre a existência desse Caminho dentro dos fundamentos, da História, das técnicas, do conhecimento, enfim, que a capoeira traz em si.
Mas eles nunca haviam sido revelados, traduzidos enquanto uma direção por onde se deveria caminhar para que se auferisse os ganhos que essa Arte maravilhosa nos traz.
Logicamente muitos mestres trataram disso no que fizeram, ou disseram. Muitos inclusive escreveram, como fez Mestre Pastinha. Ou todo o legado de Mestre Bimba, que inclusive deixou um livro escrito que orientava seus discípulos quanto ao que seria, para ele, esse caminho.
Cheguei a pensar que o livro deveria se chamar de Capoeira-DO, ou seja, o Caminho do autoconhecimento através da Capoeira... mas acabei chamando de o Caminho do Berimbau, pois todos os capoeiristas de verdade respeitam o berimbau como a alma da capoeira, como o seu lado de maior crescimento e de mais profundo significado.
Mas essa ideia estava apenas se iniciando.
As noções sobre os potenciais crescimentos produzidos pela prática e pelo aprendizado da capoeira nunca deixaram de me abrir novas perspectivas, novos insights e novas janelas para visualizar novos caminhos e novas visões que a arte abriga dentro de seus fundamentos mais sagrados, mais profundos, dentro da sabedoria dos mestres, dos estudiosos, dos cientistas, dos seus griôs, dos capoeiristas...
Tudo isso pode ser encontrado em muitas fontes como em livros, e nas letras das músicas da capoeira, algumas próprias e outras trazidas do cancioneiro popular, ou do folclore – fonte mais elementar da manifestação dos saberes e do pensamento do capoeiristas e da capoeira, como também e principalmente nos diálogos, nas reflexões feitas pelos seus mestres, que se comunicam através de suas criações e improvisos musicais. Mormente os mestres mais antigos, donos dos saberes essenciais, os fundamentos que compõem as bases de toda a sabedoria por traz e dentro dessa Arte secular.
Assim, a cada dia que tenho vivido dentro dessa impressionante fonte de aprendizados e novos conhecimentos, a verdadeira água de beber eterna e nunca concluída sabedoria adquirida na vivencia dessa prática, na convivência com ilustres Mestres desse saber popular, sou iniciado a cada dia numa nova perspectiva dessa arte, desde a mais simples e inspirada nova música, elaborada pelas novas gerações de capoeiristas e mestres, como também velhos saberes que se reificam, se refazem dentro de minha mente e vão iluminando novas perspectivas para compreender um pouco mais sobre essa Arte secular.
Recentemente tenho me debruçado em compreender a construção da estrada da Capoeira.
Ou seja, quem e como se constrói as bases onde se sustenta essa sabedoria, já que ela, diferentemente da ciência, fortemente sistematizada, documentada e regulamentada, se insere na categoria de saber popular, conforme definem os cientistas e doutores da Sociologia, da Antropologia, da História, da Ciência Política, da Educação & Pedagogia, da Educação Física, etc.?
Intrigante pensar no modus operandi  (a maneira como acontece, como opera) da capoeira.
Se existe um Caminho, alguém construiu!
Se está construído podemos então usar. Pode-se passear nessa estrada, pode-se caminhar nessa trilha e beber da água dessa fonte construída!
Mas como se constrói e quem faz essa Estrada...?
A vida vivida na pressa dos anos recentes, tornou nossa sociedade dotada de uma atitude tipicamente de consumo. Se está aí, está à venda, pode-se comprar e usar.
Mesmo coisas antes consideradas sagradas, que eram obtidas mediante algum mérito, hoje se pode comprar, no mercado das grandes vitrines (como diz o Mestre J. Bamberg, o Mestre Angoleiro) das ofertas via web... está tudo aí para quem quiser obter ou usar. Basta acessar. Basta comprar.
Mas, felizmente, esse crescimento do mercado não desacelerou a produção de novos conhecimentos. Pelo contrário, o estimulou, pois muitos – como eu – se sentem na obrigação de entrar nesse cenário e agir de uma maneira que considera correta e livre de influências mercadológicas.
E, como eu, sei que muitos agem por amor à arte. Amor a causa. Por amor à Capoeira, nossa Arte secular, concebida no calor da luta libertária e no torpor inconsciente da sabedoria popular.
O trabalho de quem ajuda a construir essa estrada é o mesmo de quem sistematiza essa sabedoria, quem traduz os símbolos sagradas da capoeira para quem se interessa por ir além de jogar apenas pernas para cima ou aprender a se esquivar de seus desafetos, dos golpes que os ameacem.
Os que podem ter o privilégio, de ter acesso a algo escrito, por sorte, hoje uma grande parcela da população mundial. O que torna imperdoável termos alguém sem acesso a isso, a esse saber básico da leitura.
Embora também eu saiba que a capoeira é ancestral!
Afrodescendente, afro-brasileira, guarda em sua essência e em sua ontologia a sua alma tribal, onde sua sabedoria é transmitida pela voz de seus griôs, de seus mestres, de seus guardiões discretos e que na calma de sua fala transmitem sua verdade...
A cruzada secular que trouxe a capoeira aqui, nesse século de luzes digitais brilhando sobre as mentes, não foi fácil.
É dela que se trata essa Estrada!
Deixar que a pressa crie a inocência de que se está sempre começando um novo tempo, onde o que havia foi esquecido ou totalmente substituído é um desserviço a Capoeira!
É isso que faz a diferença entre nossa rudeza ocidental em desprezar o que nossos antepassados construíram para nos trazer até aqui essa sabedoria, esse legado.
Por isso o oriental já trata sua Arte pelo nome de DO, de Caminho.
Enquanto nós ainda somos inocentes em achar que estamos começando novos caminhos todo dia.
Essa falta de sensibilidade e de respeito nos faz ser incrivelmente deselegantes com nossos velhos, com nossos mestres, com aqueles que podem ter suas limitações, diante de toda a soma desse manancial que hoje nos chega, mas que, a seu tempo, foram os que seguraram em suas mãos e em seu peito esse saber que transferiram para seus discípulos, no gesto generoso e eterno do amor à arte e as pessoas que o cercavam, no momento em que era, ele, a fonte desse saber.
Eram a forca da vez que construíam o seu pedaço da grande e sinuosa estrada de nossa Arte.
Construíam o Caminho do Berimbau.


3 comentários:

  1. Sempre caríssimo Irmão da Roda Capoeirana e da Vida,Mestre Reginaldo Silveira Costa/Mestre Skizyto,vencer as madrugadas,insône como o sou,e amanhecer o dia para ser surpreendido com o seu belo texto é dessas dádivas que o Bom Deus nos dá de modo tão especial e único que só podemos nos entender privilegiados por um presente,êsse,magnífico. Sem dever me estender em maiores ocupações de espaço para que tidos os demais o façam com muito mais riqueza,ressalvo,apenas,a imensa satisfação em ver que,ao contrário da sua afirmação, não há 'preguiça'alguma,da sua parte,em relação ao pensar a nossa querida Capoeira,pelo menos põe você, sempre preocupado com êsse Caminho,a que também chamo de Seara,onde essa Sabedoria do nosso extraordinàrio Povo é analisada,questionada,investigada e tanto mais,com tanta dedicação no seu próprio dia-a-dia.Faço reparo-caso o pudesse!...- apenas para o referencial,'inocente',a que você faz indicador,aos que tergiversem ou procedam o mau uso ou emprêgo,nessa Arte nossa,tão viva na nossa Identidade Brasílica, desde a nossa riquíssima Cultura. Não são 'inocentes',tenho certêza, mas,sim,se tanto,ingênuos ou falso-ingênuos,nessa sub-utilização impertinente. Mas,o que de fato importa é que gente do seu bom talante- e,aí,claro você e seu excelente trabalho diário em prol dessa busca de renôvo de Sabedoria continuada - continua essa saga,esse périplo,Caminho,dessa semeadura lançada pelo nosso belo Povo lá atrás no tempo - em busca de libertação ante o esbulho anti-humano e escravista- e até hoje em força viva de afirmação dessa maravilhosa energia do aprender a viver,ou,como se diz nas nossas velhas 'chula-de-ladaínha','aprender,p'ra ensinar aos Camará!...'. E,isso,é o seu bom Caminho Capoeirano desde sempre.Gratissimo, por esse belo presente, que,tenho certêza, prenuncia mais obras de qualidade,fruto da sua boa lavra, de bom "... Discípulo que aprende... Mestre que dá lição..." ao que afirmam as nossas cantigas-...antigas e tão atualíssimas!...-na Roda Capoeirana. Meu confraterno abraço e o meu melhor,"...Iyê,CAMARÁ!!!... ". Do seu,sempre,Irmão da Roda Capoeirana e da Vida,J.Bamberg/Mestre Angoleiro-Ba.

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  2. Sempre caríssimo Irmão da Roda Capoeirana e da Vida,Mestre Reginaldo Silveira Costa/Mestre Skizyto,vencer as madrugadas,insône como o sou,e amanhecer o dia para ser surpreendido com o seu belo texto é dessas dádivas que o Bom Deus nos dá de modo tão especial e único que só podemos nos entender privilegiados por um presente,êsse,magnífico. Sem dever me estender em maiores ocupações de espaço para que tidos os demais o façam com muito mais riqueza,ressalvo,apenas,a imensa satisfação em ver que,ao contrário da sua afirmação, não há 'preguiça'alguma,da sua parte,em relação ao pensar a nossa querida Capoeira,pelo menos põe você, sempre preocupado com êsse Caminho,a que também chamo de Seara,onde essa Sabedoria do nosso extraordinàrio Povo é analisada,questionada,investigada e tanto mais,com tanta dedicação no seu próprio dia-a-dia.Faço reparo-caso o pudesse!...- apenas para o referencial,'inocente',a que você faz indicador,aos que tergiversem ou procedam o mau uso ou emprêgo,nessa Arte nossa,tão viva na nossa Identidade Brasílica, desde a nossa riquíssima Cultura. Não são 'inocentes',tenho certêza, mas,sim,se tanto,ingênuos ou falso-ingênuos,nessa sub-utilização impertinente. Mas,o que de fato importa é que gente do seu bom talante- e,aí,claro você e seu excelente trabalho diário em prol dessa busca de renôvo de Sabedoria continuada - continua essa saga,esse périplo,Caminho,dessa semeadura lançada pelo nosso belo Povo lá atrás no tempo - em busca de libertação ante o esbulho anti-humano e escravista- e até hoje em força viva de afirmação dessa maravilhosa energia do aprender a viver,ou,como se diz nas nossas velhas 'chula-de-ladaínha','aprender,p'ra ensinar aos Camará!...'. E,isso,é o seu bom Caminho Capoeirano desde sempre.Gratissimo, por esse belo presente, que,tenho certêza, prenuncia mais obras de qualidade,fruto da sua boa lavra, de bom "... Discípulo que aprende... Mestre que dá lição..." ao que afirmam as nossas cantigas-...antigas e tão atualíssimas!...-na Roda Capoeirana. Meu confraterno abraço e o meu melhor,"...Iyê,CAMARÁ!!!... ". Do seu,sempre,Irmão da Roda Capoeirana e da Vida,J.Bamberg/Mestre Angoleiro-Ba.

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